¿Um Sínodo sobre Sinodalidade?

Por Rafael Luciani.

(Mensaje).- A Igreja foi convocada para um Sínodo com o lema Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão. O evento será inaugurado em 9 de outubro de 2021 em Roma e em 16 de outubro em cada Igreja particular. Será um processo sinodal de dois anos, culminando na XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos em outubro de 2023. Com esta convocação, o Papa Francisco convida toda a Igreja a discernir um novo modelo eclesial para o terceiro milênio, que aprofunde o processo de aggiornamento iniciado pelo Vaticano II e responda às mudanças históricas e eclesiais que vivemos. Nesse contexto, está a relevância deste Sínodo para discernir as reformas necessárias à luz da sinodalidade.

Talvez estejamos diante do evento mais importante da atual fase de recepção do Concílio Vaticano II durante o pontificado do Papa Francisco. Participam aproximadamente 114 conferências episcopais de rito latino, o Conselho dos Patriarcas Católicos do Oriente, seis sínodos patriarcais das Igrejas orientais, quatro sínodos arquiepiscopais maiores e cinco conselhos episcopais internacionais. Aprofundando a eclesiologia do Povo de Deus e à luz de um modelo de Igreja das Igrejas, o Papa propõe, como disse durante a Comemoração do 50º Aniversário da instituição do Sínodo dos Bispos, que “o caminho da sinodalidade é o caminho que Deus espera da Igreja do terceiro milênio”. E ele o faz em um contexto em que é urgente, mais do que nunca, renovar a vida eclesial tomando conselhos e construindo consensos ao estilo do antigo princípio da canonística medieval que diz: “O que afeta a todos, deve ser tratado e aprovado por todos”.

Essa prática não é nova na Igreja. É importante lembrar a regra de ouro do Bispo São Cipriano, que pode ser vista como a forma sinodal do primeiro milênio e oferece o quadro interpretativo mais adequado para pensar nos desafios atuais: “Nihil sine consilio vestro et sine consensu plebis mea privatim sententia gerere”. Para este bispo de Cartago, buscar conselhos do presbitério e construir consenso com o povo foram experiências fundamentais ao longo de seu exercício episcopal para manter a comunhão na Igreja. Para isso, ele pôde desenvolver métodos baseados no diálogo e discernimento comum, que permitiram a participação de todos, não apenas dos presbíteros, na deliberação e tomada de decisões. O primeiro milênio oferece exemplos de uma forma de Igreja em que o exercício do poder era entendido como responsabilidade compartilhada.

Uma Igreja de escuta

Inspirado nesse modo de proceder, o Papa Francisco descreve o novo modelo eclesial com as seguintes palavras: “Uma Igreja sinodal é uma Igreja de escuta (…). É uma escuta mútua na qual cada um tem algo a aprender (…). É a escuta de Deus, até ouvir com Ele o clamor do povo; e é a escuta do povo, até respirar nele a vontade à qual Deus nos chama”. O exercício da escuta é essencial em uma eclesiologia sinodal, pois parte do reconhecimento da identidade dos sujeitos eclesiais – leigos, presbíteros, religiosos, bispos, Papa – a partir de relações horizontais fundamentadas na radicalidade da dignidade batismal e na participação no sacerdócio comum de todos os fiéis (Lumen Gentium 10). A Igreja como um todo é qualificada por meio dos processos de escuta nos quais cada sujeito eclesial contribui com algo que completa a identidade e a missão do outro (Apostolicam Actuositatem 6), e o faz a partir do que é próprio de cada um (AA 29).

Esse modelo implica superar relações desiguais de superioridade e subordinação e passar para a lógica da “necessidade mútua” (LG 32). Este é o espírito da Comissão Teológica Internacional ao afirmar que “uma Igreja sinodal é uma Igreja participativa e corresponsável. No exercício da sinodalidade, ela é chamada a articular a participação de todos, de acordo com a vocação de cada um, com a autoridade conferida por Cristo ao Colégio dos Bispos presidido pelo Papa. A participação se baseia no fato de que todos os fiéis são capacitados e chamados a colocar a serviço dos outros os dons respectivos recebidos do Espírito Santo”. Podemos dizer que ser ouvido é um direito de todos, mas buscar conselhos a partir da escuta é um dever do que exerce a autoridade.

No entanto, a escuta também tem outra dimensão. Através dela, ocorre um processo de reconfiguração dos modelos teológico-culturais da organização eclesial. O Papa explica que se escuta um povo, em um lugar e em um tempo “para conhecer o que o Espírito ‘diz às Igrejas’ (Ap 2,7)” e encontrar maneiras de agir de acordo com cada época. Isso foi destacado no Sínodo para a Amazônia, ao dizer que a Igreja “reconfigura sua própria identidade ouvindo e dialogando com as pessoas, realidades e histórias de seu território”. E ela o faz, como afirma o Concílio, discernindo “de que modo podem ser conciliados os costumes, o sentido da vida e a ordem social com os costumes manifestados pela divina revelação” (Ad Gentes 22).

Um Sínodo como o atual pode ser visto como o início de um processo que pode levar a uma “acomodação mais profunda em todo o âmbito da vida cristã”, porque “os laços de história, linguagem e cultura, que plasmam as comunicações interpessoais e suas expressões simbólicas, traçam o rosto peculiar, favorecem em sua vida concreta o exercício de um estilo sinodal”. Daí a importância de compreender que a sinodalidade é o modo mais adequado para a gênese dos processos de identidade e reconfiguração teológico-cultural da Igreja, de acordo com os tempos e as culturas, sob o modelo de Igreja como Igreja de Igrejas presidida pelo Bispo da Igreja de Roma e em comunhão entre todas elas.

Uma forma mais completa de ser Igreja

A escuta não é um fim em si mesma. Ela ocorre dentro de um processo maior, quando “toda a comunidade, na livre e rica diversidade de seus membros, é convocada para orar, ouvir, analisar, dialogar e aconselhar para que sejam tomadas as decisões pastorais mais conformes com a vontade de Deus”. A partir dessas relações e dinâmicas comunicativas, cria-se um ambiente propício para buscar conselhos e construir consensos que serão posteriormente traduzidos em decisões. É importante levar em consideração todas as ações ao embarcar em um processo de escuta: “Orar, ouvir, analisar, dialogar e aconselhar”, porque o objetivo desse caminho não é simplesmente nos encontrarmos, ouvirmos uns aos outros e nos conhecermos melhor, mas trabalharmos juntos “para que sejam tomadas as decisões pastorais”. Este é um dos aspectos que definem o sentido e o objetivo de um processo sinodal e, neste Sínodo sobre a sinodalidade, a Igreja se propõe avançar na busca por uma “definição mais completa de si mesma”, para usar as palavras de Paulo VI ao abrir a segunda sessão do Concílio.

Sem ter esse horizonte em mente, corre-se o risco de limitar a compreensão e o exercício da sinodalidade a uma mera prática afetiva e ambiental, sem que ela se traduza efetivamente em mudanças concretas que ajudem a superar o atual modelo clerical institucional. Por isso, é importante destacar que o atual Sínodo criou uma Comissão Teológica para assessorar todo o processo. Isso representa uma novidade que recupera a colaboração que deve existir entre a teologia e o magistério. Dentro dessa comissão, foi formada uma subcomissão para elaborar propostas de reforma do direito canônico. Se o que foi ouvido não se traduzir em novas estruturas eclesiais – nas palavras de Francisco, “mediações concretas” – será revelado, mais uma vez, um modelo eclesial em que existe “uma consideração insuficiente do sensus fidelium, a concentração do poder e o exercício isolado da autoridade, um estilo centralizado e discricionário de governo, e a opacidade dos procedimentos regulatórios”.

Um evento que se torna processo

Coerente com o tema que aborda e com o objetivo de sentir toda a Igreja universal, o atual Sínodo deixa de ser um evento e se torna um processo que começa com uma primeira fase diocesana. A partir de uma eclesiologia das Igrejas locais, parte-se do primeiro nível no exercício da sinodalidade, como afirmou o Cardeal Mario Grech, Secretário Geral do Sínodo dos Bispos: “Considerando que as Igrejas particulares, nas quais e a partir das quais existe a única e verdadeira Igreja católica, contribuem eficazmente para o bem de todo o corpo místico, que é também o corpo das Igrejas (LG 23), o processo sinodal pleno só existirá verdadeiramente se as Igrejas particulares estiverem envolvidas nele”.

Para entender o que isso implica, podemos lembrar as palavras de Mons. De Smedt, uma das vozes mais importantes do Concílio, que dizia que “o corpo docente [bispos] não descansa exclusivamente na ação do Espírito Santo sobre os bispos; mas também [deve] ouvir a ação do mesmo Espírito no povo de Deus. Portanto, o corpo docente não fala apenas ao Povo de Deus, mas também ouve este Povo, em quem Cristo continua seu ensinamento”. Durante essa primeira fase diocesana, os bispos não apenas devem ouvir, mas também estar no meio do povo de Deus, como parte integrante dele, discernindo e elaborando decisões pastorais juntos. Seguindo o texto de Lumen Gentium 12, citado em Episcopalis Communio 5, é a totalidade dos fiéis, “desde os bispos até os fiéis leigos mais simples, [que] oferece seu consentimento universal nas coisas da fé e dos costumes”. O que está em jogo não é o sentir de cada bispo, mas o sentir de toda a Igreja, ou melhor, o sensus ecclesiae totius populi. Portanto, cada Igreja particular deve proceder “usando os organismos de participação previstos pelo direito, sem excluir qualquer outra modalidade que julguem apropriada” (EC, disposição canônica 6).

A passagem da sinodalidade afetiva para a efetiva

Possivelmente, um dos desafios mais importantes para a hierarquia eclesiástica será a criação de mediações e procedimentos para o envolvimento de todos os fiéis e o estabelecimento das modalidades de participação. Usando as palavras de Severino Dianich, “a normatividade atual, entre a atribuição a todos os fiéis da tarefa de evangelização (…) e seu chamado à participação ativa na liturgia eucarística (…), não confere aos leigos nenhum papel específico capaz de determinar a vida da comunidade (…). Os fiéis leigos não têm nenhuma instância em que, ao expressar seu próprio voto deliberativo, algo possa ser decidido colegialmente”. Esse sentimento foi discernido em 2007 pelos bispos latino-americanos na Conferência de Aparecida e propuseram que “os leigos participem do discernimento, da tomada de decisões, do planejamento e da execução” de toda a vida eclesial.

Se o modo de proceder de uma Igreja sinodal “tem seu ponto de partida e também seu ponto de chegada no Povo de Deus” (Episcopalis Communio 7), e se “a sinodalidade é uma dimensão constitutiva da Igreja que, por meio dela, se manifesta e se configura como Povo de Deus” (CTI, Sin. 42), então é necessário fazer o possível para que este Sínodo dê lugar a uma autêntica sinodalização de toda a Igreja. Por exemplo, será fundamental discernir os modelos de decisão na Igreja. Talvez seja crucial articular um em que a elaboração das decisões (decision-making) esteja vinculada aos pastores (decision-taking), porque eles próprios terão participado do processo de escuta e discernimento, recebendo conselhos e construindo consensos. E qualquer modelo decisório deve levar em conta que “a dimensão sinodal da Igreja deve se expressar por meio da realização e do governo de processos de participação e discernimento capazes de manifestar o dinamismo de comunhão que inspira todas as decisões eclesiais” (CTI Sin 76).

Seremos capazes de conceber processos sinodais nos quais as decisões são elaboradas por todos, para que a autoridade competente, tendo participado como um fiel em todas as etapas do processo e confiando que o Espírito Santo falou através do Povo de Deus, ratifique essas decisões? Acreditamos que este é o espírito expresso pelo cardeal Grech ao afirmar que “o Sínodo dos Bispos é o ponto de convergência do dinamismo de escuta mútua no Espírito Santo (…). Não é apenas um evento, mas um processo que envolve em sinergia o Povo de Deus, o Colégio Episcopal e o Bispo de Roma, cada um de acordo com sua função”8, e em diversas fases (diocesana, nacional, continental, universal). O grande desafio será, portanto, criar uma cultura de consenso eclesial, capaz de se manifestar em estilos, eventos e estruturas sinodais que canalizem um novo modo eclesial de proceder para a Igreja do terceiro milênio.



1 “Quando a primordio episcopatus mei statuerim, nihil sine consilio vestro, et sine consensu plebis, mea privatim, sententia gerere”. Jacques Paul Migne, Patrologiae Latina, Tomus 4 (S. Cypriani), 234.

2 Francisco, Discurso en la Conmemoración del 50 Aniversario de la institución del Sínodo de los Obispos http://www.vatican.va/content/francesco/en/speeches/2015/october/documents/papa-francesco_20151017_50-anniversario-sinodo.html
3 Comisión Teológica Internacional, La sinodalidad en la vida y en la misión de la Iglesia (2 de marzo de 2018) n. 67: http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/cti_documents/rc_cti_20180302_sinodalita_sp.html De ahora en adelante lo citaremos: CTI, Sin.
4 Alphonse Borras, “Sinodalità ecclesiale, processi partecipati e modalità decisionali”, Carlos María Galli – Antonio Spadaro (eds.), La riforma e le riforme nella Chiesa, Queriniana, Brescia 2016, 208.
5 Carta de presentación del itinerario sinodal aprobado por el papa Francisco en la audiencia concedida al cardenal Mario Grech, secretario general del Sínodo de los Obispos, el 24 de abril de 2021.
6 Emile-Joseph De Smedt, The priesthood of the faithful, Paulist Press, NY 1962, 89-90.
7 Severino Dianich, Riforma della Chiesa e ordinamento canonico, EDB, Bologna 2018, 69-70.
8 Cf. Alocución del cardenal Mario Grech al Santo Padre en el Consistorio para la creación de nuevos cardenales, el 28 de noviembre de 2020.