Por Rafael Luciani.
O Sínodo sobre a sinodalidade representa o esforço mais significativo e extenso já empreendido pela Igreja Católica em sua história para iniciar um caminho de “conversão e reforma” (Instrumentum Laboris 4). À luz dos sinais atuais dos tempos, o caminho aberto pelo Concílio Vaticano II é aprofundado, e nos é feita a pergunta: “Como realizar hoje, em diferentes níveis (do local ao universal), esse ‘caminhar juntos’ (…); e quais passos o Espírito nos convida a dar para crescer como Igreja sinodal?” (Documento Preparatório 2; IL prólogo). Em outras palavras, o que significa ser e fazer Igreja hoje e para todo o terceiro milênio?
Desde o seu início, o Sínodo não partiu de uma ideia preconcebida, mas iniciou um processo que nos convidou a sair de nós mesmos para experimentar o ouvir mútuo, aprender com o que foi ouvido, identificar os desafios da época e discernir as prioridades pastorais para a missão da Igreja nos diversos lugares onde ela está presente.
A escolha de começar com processos de escuta recíproca permitiu uma “progressiva apropriação e compreensão da sinodalidade de dentro para fora, que não decorre da enunciação de um princípio, de uma teoria ou de uma fórmula, mas que parte da disposição para entrar em um processo dinâmico de palavra construtiva, respeitosa e orante, de escuta e diálogo” (IL 18). É uma experiência global inicial de que, “na Igreja sinodal, toda a comunidade, na livre e rica diversidade de seus membros, é convocada a orar, ouvir, analisar, dialogar, discernir e aconselhar para que sejam tomadas as decisões pastorais” (CTI, Sinodalidade na vida e missão da Igreja 68).
A experiência nas diferentes etapas, desde as diocesanas até as continentais, nos deslocou de nossos espaços eclesiais confortáveis, questionando uma visão rígida e moralista de ser e agir da Igreja. Ela está nos ajudando a perceber que caminhar juntos não se resume a habitar no mesmo espaço ou viver sob as mesmas leis. Mas também não se trata apenas da mera pertença à instituição eclesiástica ou à participação em algumas reuniões eclesiais quando surge uma crise.
O Documento Preparatório que iniciou o caminho sinodal em 2021 lembrava que “a sinodalidade é muito mais do que a celebração de encontros eclesiais e assembleias de bispos, ou uma questão de simples administração interna na Igreja; a sinodalidade indica a forma específica de viver e agir (modus vivendi et operandi) da Igreja, Povo de Deus, que manifesta e realiza concretamente seu ser comunhão no caminhar juntos, reunindo-se em assembleia e participando ativamente todos os seus membros em sua missão evangelizadora” (Documento Preparatório 10).
Para muitas pessoas, isso pode parecer algo novo, mas “no primeiro milênio, caminhar juntos, ou seja, praticar a sinodalidade, foi o modo habitual de proceder da Igreja” (Documento Preparatório 11), e “esse dinamismo da Tradição ancorou o Concílio Vaticano II” (Documento Preparatório 12). Hoje em dia, o Sínodo sobre a sinodalidade está recebendo e aprofundando esse modo de ser e agir da Igreja, não apenas nas práticas e dinâmicas da vida eclesial, mas também no aspecto teológico.
As consultas realizadas globalmente testemunham como a experiência vivida até agora proporcionou a oportunidade de redescobrir a humanidade do outro, mas também nos ajudou a perceber a necessidade de criar espaços e estruturas onde vivamos relações mútuas e horizontais, recíprocas e complementares, que expressem o reconhecimento de nossa dignidade batismal.
As implicações dessa visão teológica nem sempre foram fáceis de serem colocadas em prática na vida e missão da Igreja, porque muitas pessoas, especialmente os ministros ordenados, viram isso como algo discricionário ou opcional. Com grande honestidade, alguns episcopados afirmaram que, “como bispos, reconhecemos que a teologia batismal que impulsionou o Concílio Vaticano II, base da corresponsabilidade na missão, não foi suficientemente desenvolvida” (Documento para a Etapa Continental do Sínodo, 66). Ainda assim, pequenas comunidades de vida cristã reconheceram que “as práticas da sinodalidade vivida foram um momento crucial e valioso para perceber como todos, pelo batismo, compartilhamos a dignidade e a vocação comum de participar na vida da Igreja (CE Etiópia)” (DEC, 22). O Instrumentum Laboris recupera a centralidade dessa teologia ao afirmar que “uma Igreja sinodal se fundamenta no reconhecimento da dignidade comum que decorre do Batismo” (IL 20).
Sobre a teologia do batismo, podemos destacar quatro aspectos, entre outros, que o Instrumentum Laboris oferece. Primeiro, “o Batismo cria uma verdadeira corresponsabilidade entre os membros da Igreja, que se manifesta na participação de todos, com os carismas de cada um, na missão e edificação da comunidade eclesial” (IL 20). Segundo, isso deve se traduzir em direitos e deveres que permitam a inclusão e a participação de todos, pois “não se trata de uma exigência de redistribuição de poder, mas da necessidade de um exercício efetivo da corresponsabilidade derivada do Batismo. Isso confere direitos e deveres a cada pessoa, que devem poder ser exercidos de acordo com os carismas e ministérios de cada um” (IL B.3.3). Terceiro, são necessárias “instituições, estruturas e procedimentos” [que permitam que] “a dignidade batismal comum e a corresponsabilidade na missão não apenas se afirmem, mas se exerçam e pratiquem” (IL 21). Quarto, a teologia do batismo permite que “o exercício da autoridade seja apreciado como um dom e se configure cada vez mais como um verdadeiro serviço ou diaconia” (IL 21), especialmente aos mais pobres e excluídos.
A teologia do batismo, fundamento de uma Igreja sinodal, também implica a consciência de que “uma Igreja sinodal é uma Igreja que escuta o Espírito por meio da escuta da Palavra e dos eventos da história” (IL 22). É o Espírito que nos unge pelo Batismo e nos capacita, não apenas para valorizar as luzes no caminho, mas também para reconhecer que a Igreja “deve pedir perdão e tem muito a aprender” (IL 23). Especialmente quando seu rosto “mostra hoje os sinais da crise de confiança e credibilidade, relacionados aos abusos sexuais, econômicos ou de poder” (IL 23). No entanto, ao caminhar juntos, aprendemos que a conversão é possível ao nos encontrar e dialogar, ao passar “do ‘eu’ ao ‘nós’ (…), no qual ressoa o chamado a ser membros de um corpo que valoriza a diversidade” (IL 25).
Ao longo do processo sinodal, reconhecemos que isso nem sempre foi fácil, mas uma “característica de uma Igreja sinodal é a capacidade de gerenciar as tensões sem ser destruída por elas, vivendo-as como um impulso para aprofundar o modo de entender e viver a comunhão, a missão e a participação” (IL 28). As tensões podem ser geradoras quando permitimos que elas nos questionem e abram caminho para práticas de inclusão radical, com a consciência de que, “para incluir autenticamente a todos, é necessário entrar no mistério de Cristo, deixando-se formar e transformar pela maneira como ele viveu a relação entre amor e verdade” (IL 27). Configurando-nos com esse modo evangélico de proceder, poderemos “oferecer um testemunho de inclusão e aceitação radicais” (IL B 1.2), seguindo o estilo e as opções de Jesus.
Isso exigirá uma conversão autêntica que saiba dar primazia ao outro em sua situação concreta, especialmente àqueles que foram e continuam sendo excluídos e discriminados pela instituição eclesiástica devido às suas diversidades sociais, políticas, econômicas ou de gênero. O ponto de partida para a inclusão na Igreja é sempre o reconhecimento do outro como sujeito que nunca perde sua dignidade batismal. Isso implica agir sem julgar ninguém, pois todos nós vivemos “nossa realidade incompleta” e frágil, e mesmo assim, nenhum é descartado, mas todos são acolhidos no amor de Deus que cura as feridas e devolve a esperança para continuar caminhando juntos, porque Deus não considera nada nem ninguém como perdido.
Quando sentirmos que ao longo do processo sinodal “ainda há muitas coisas cujo peso não somos capazes de suportar” (IL 29), é significativo lembrar que “uma Igreja sinodal é também uma Igreja do discernimento” – e nunca do julgamento ou da condenação. A vida eclesial é chamada a ser “aberta, acolhedora e que abraça a todos” (IL 26) por causa de sua dimensão pneumatológica. Não somos proprietários do Espírito e não somos aqueles que determinam por onde ou por meio de quem Ele nos fala hoje. “Não há fronteira que este movimento do Espírito não sinta que deve cruzar, para atrair a todos para seu dinamismo” (IL 26). Há muito a aprender e realizar dessa dimensão pneumatológica da Igreja (IL 23).
Neste momento da história, a sinodalidade é talvez a contribuição mais importante que os cristãos podem oferecer ao restante da humanidade, especialmente em um mundo que parece negar a fraternidade e sororidade humanas, e a amizade social. De fato, “a opção de caminhar juntos é um sinal profético para uma família humana que precisa de um projeto compartilhado, capaz de alcançar o bem de todos. Uma Igreja capaz de comunhão e fraternidade, de participação e subsidiariedade, na fidelidade ao que ela anuncia, poderá ficar ao lado dos pobres e dos últimos e lhes dar voz” (Documento Preparatório 9).
Mas também estamos vivenciando o processo mais significativo de conversão e reforma que a Igreja Católica iniciou após o Concílio Vaticano II. Nada disso pode ser discricionário ou opcional por parte daqueles que exercem a autoridade em determinado momento. O grande desafio da Igreja do terceiro milênio, promovido pelo Sínodo sobre a sinodalidade, é construir, entre todos, a cultura eclesial e o modelo institucional próprios de uma Igreja constitutivamente sinodal. Esse desafio já foi expresso no Documento Preparatório que iniciou todo esse processo sinodal, ao afirmar que
“A capacidade de imaginar um futuro diverso para a Igreja e para as instituições, à altura da missão recebida, depende em grande parte da decisão de começar a colocar em prática processos de escuta, diálogo e discernimento comunitário, nos quais todos e cada um possam participar e contribuir (…). Para caminhar juntos, é necessário deixar-se educar pelo Espírito em uma mentalidade verdadeiramente sinodal, entrando com audácia e liberdade de coração em um processo de conversão sem o qual não será possível a ‘perene reforma, da qual a própria Igreja, enquanto instituição humana e terrena, sempre precisa’ (UR 6; EG 26)” (Documento Preparatório 9).
Estamos diante da primeira emergência de um novo modo de ser e agir na Igreja, e se a sinodalidade é o caminho que Deus espera para o terceiro milênio, então devemos fazer todo o possível para que nossos modos de relacionamento, as formas como nos comunicamos e as estruturas em que vivemos sejam moldadas pela sinodalidade, porque ‘a sinodalidade se revela como uma dimensão constitutiva da Igreja desde seus primórdios, embora ainda esteja em processo de realização’ (IL 26).
‘O caminho sinodal não chegou ao fim. O Instrumentum Laboris não foi elaborado com a intenção de encerrar o processo iniciado em 2021, mas é um elo que permite a passagem da primeira para a segunda Sessão da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos.’ A primeira sessão está prevista para ocorrer em outubro de 2023 e a segunda em outubro de 2024. A primeira sessão da Assembleia do Sínodo busca dar os primeiros passos para construir o ‘nós’ eclesial a partir da interação alcançada entre todos, alguns e um. Dessa forma, ‘serão fornecidos elementos adicionais de autoridade sobre os quais as Igrejas locais serão chamadas a orar, refletir, agir e contribuir com suas próprias contribuições’ (IL 10). Ou seja, será iniciado um novo processo de discernimento e construção de consenso por meio de um ato adicional de apresentação das conclusões finais da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos – conforme estabelecido em Episcopalis Communio – às Igrejas locais (IL 10).
Podemos concluir dizendo que o caminho sinodal não apenas nos ajudou a descobrir que o que Deus quer é que retomemos seu chamado para sermos ‘uma Igreja de irmãs e irmãos em Cristo que, ao se ouvirem mutuamente, são transformados gradualmente pelo Espírito’ (IL 18). Além disso, de maneira particular, começamos ‘a prestar mais atenção ao que o Espírito diz às Igrejas’ (Ap 2,7), com o compromisso e a esperança de nos tornarmos uma Igreja cada vez mais capaz de tomar decisões proféticas que sejam fruto do guia do Espírito’ (IL 31) e nos permitam construir a Igreja do terceiro milênio. A sinodalidade não é apenas a redescoberta de novas práticas e dinâmicas comunicativas, mas o emergir de um modo de ser e agir que dá forma e molda uma figura de Igreja e ‘se a Igreja não é sinodal, ninguém pode se sentir verdadeiramente em casa’ (DEC 24).”